Na antiguidade, os espelhos eram pedaços polidos de metal. Neles, sua imagem ficava toda distorcida ou então muito embaçada. Acredito que as pessoas só conseguiam se ver de verdade nas águas calmas de um lago num dia bom ou coisa assim. O que será que elas achavam? Melhor ou pior? Será que elas diziam, ei, esse não sou eu! e achavam que tinham algum gêmeo do mal deformado embaixo d'água?
Eu passo por um problema assim (não o do gêmeo mau, só o do estranhamento mesmo) toda vez que ouço minha voz gravada. Não sou eu! Engraçado ser tão diferente. Dizem agora que estão inventando um fone de ouvido que vai transmitir o som através dos ossos do rosto, exatamente o jeito que ouvimos nossa própria voz. Curioso... Vai ter artista mais intimista vendendo CD "compre e ouça como eu ouço!"
Essa voz interior é ainda diferente da voz do nosso pensamento. Sabe, aquela voz absoluta, neutra, a voz que aparece quando lemos, ou quando formamos frases na mente. Esse "timbre" se apropria de qualquer coisa que lemos. O andamento do texto muda com o autor, mas a voz é sempre a mesma. Outro dia tentei ler uma crônica do Ubaldo imaginando a voz dele (tão característica, grave pra caramba e com sotaque baiano) ao invés dessa voz padrão. Não é a mesma coisa. Meu cérebro já leu tanto Ubaldo com a voz interna que ler com a voz verdadeira parece falso, o texto não corre direito. É como se essa voz fosse nossa maneira de filtrar e se apropriar do mundo à nossa volta. Dar nosso toque pessoal. Digerir. Mesmo que a imagem saia meio embaçada, é a imagem que molda meu próprio mundo.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário