04 agosto 2006

Os Vários Apocalipses de Coppola

Já que os dias andam curtos, vai uma crítica velha de um filme que não envelhece, da época que eu tentava emprego no Omelete.

Francis Ford Coppola devia estar bem acostumado a adjetivos como “megalomaníaco” durante as 370 horas de filmagens nas Filipinas de sua obra Apocalypse Now. Meses de esforço, rios de dinheiro e muita teimosia foram necessários para finalizar o filme a tempo do festival de Cannes de 1979. Mesmo com a Palma de Ouro nas mãos, o diretor e produtor considerou o filme “a work in progress”, devido à pressa na montagem da obra.
Vinte e dois anos depois somos agraciados com bem mais do que um novo “director’s cut” caça-níqueis de um sucesso de Hollywood, como exorcistas e ETs afins. Redux, em latim, significa algo que foi trazido de volta, resgatado. Assim está Apocalypse Now Redux: reeditado, remixado, restaurado, talvez o melhor termo seja repensado. Agora podemos ver 53 minutos que escaparam à primeira versão, espalhados em muitas cenas que acrescentam muito à densidade do filme.
Densidade, aliás, é o que não falta à obra. Vários filmes poderiam ser tirados de Apocalyspe. A grande estetização da guerra das cenas como a do ataque dos helicópteros a uma vila vietnamita ao som de Wagner e a da batalha num posto avançado, com direito a trincheiras e pedido de ajuda pelo rádio já renderiam boa bilheteria por si sós (alguém se lembra de Falcão Negro em Perigo?). A discussão sobre a necessidade do conflito armado e o envolvimento forçado dos soldados com uma guerra que não lhes pertence (linha mestra do outro clássico do Vietnã, Nascido Para Matar) e que pode ser visto em personagens como Chef, o hippie de New Orleans que só queria aprender a cozinhar, ou em cenas como o encontro com a orgulhosa família de colonizadores franceses, onde o lado mais politizado do filme transparece, também fariam outro (bom) filme inteiro.
Mas o créme de la créme do filme é mesmo a adaptação (bastante fiel, vejam só) da pequena obra-prima de Joseph Conrad, Coração das Trevas. O Marlow do Império Britânico deu lugar ao Willard do exercito americano. Ambos foram imbuídos da difícil tarefa de subir o rio em direção ao inferno, encontrar e destituir o tirano, mas ainda assim genial e intrigante capitão Kurtz de seu pequeno império no coração das trevas. Quanto mais Marlow/Willard se embrenha na escuridão da não-civilização, quanto mais medo e destruição se passam ao seu redor, mais fascinado por Kurtz ele fica, mais ele compreende seus métodos, mais ele se transforma, de certa forma, em seu algoz. A estranha fortaleza de Kurtz e sua pequena legião de súditos que parecem estar em transe preparam os nervos até que o encontro com Kurtz finalmente acontece, e toda a genialidade de Vittorio Storato, o diretor de fotografia, aparece: Curiosos, ouvimos a voz assustadora de Marlon Brando, fraca, modulada, filosofando e questionando Willard e esperamos a câmera enquadrá-lo. Ele está deitado, e ainda não se vê seu rosto. Finalmente, ele se levanta. Dá para ver sua cabeça raspada, mas seu rosto está imerso numa sombra angustiante. Ainda por algum tempo a sombra permanece, até a primeira frase mais ameaçadora ser pronunciada e seus terríveis olhos azuis finalmente aparecerem. É de gelar a espinha...
Isso tudo sem falar no Robert Duvall bombardeando uma aldeia para ter onde surfar, no Dennis Hopper tentando provar a grandiosidade do capitão Kurtz, nas coelhinhas da Playboy e na maravilhosa The End, da banda The Doors na abertura do filme.
Toda essa multiplicidade de temas e riqueza de detalhes, porém, acaba por se tornar talvez seu maior defeito. Uma obra tão complexa precisa estar muito bem amarrada para conduzir o espectador por mais de três horas. Quando se está na fortaleza de Kurtz, à luz oblíqua, é difícil lembrar do “Cheiro de Napalm pela manhã” do início do filme. Apocalypse Now Redux é mais denso que o próprio livro que o inspirou. Pode ser necessário parar e respirar fundo antes de continuar para, sem sobrecarregar a mente, se absorver todo o conteúdo. Só não dá pra ficar sem ver.

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