17 maio 2006

Tabula Rasa

Não fosse o regular e preciso oscilar do pêndulo (ou a frequência de corrente elétrica no cristal de quartzo, ou a frequência de ressonância nos átomos de césio), eu podia jurar que o tempo está mesmo passando mais rápido. Pode perguntar pra qualquer um, cada ano que passa, todos dizem, "puxa, esse ano passou voando!". Certo seria dizer que o tempo realmente acelera, afinal, se 100% das pessoas tem a mesma impressão, faz sentido aceitar isso como verdade. Não? Claro que não. Então por que a idéia é tão difundida?
Quando temos, digamos, 10 anos, um ano acrescenta um décimo a mais em nossa vida. A base de comparação é muito pequena e cada dia parece que demora pra passar. Quando temos 50 anos, um ano não passa de uma nota de rodapé no caderno, um cinquentaavos de existência. Como o tempo é praticamente o mesmo para todos (já que ainda não chegamos na velocidade da luz), abastecemos nossos cérebros na mesma velocidade, sejam eles um copinho de requeijão ou uma piscina olímpica.
Seguindo esse raciocínio, é estranho pensar que simplesmente não nos lembramos de nada da eternidade que foram nossos primeiros 2 ou 3 anos de vida. Devem ter sido longos, com tudo absolutamente novo, marcando nossas mentes em branco com tinta forte, mas arquivados na pasta escondida do "subconsciente". Adoro quando vejo um bebê de poucos meses observando a própria mão. Ele olha, gira, olha em cima, embaixo, mexe os dedos, toca as enormes bochechas, e - o objetivo supremo - tenta engolir a mão inteira.
Algumas das coisas que aprendemos se fixam como uma espécie de arquétipo. Para mim, por exemplo, passarinho sempre vai ser, primeiramente, ligado com o monte de pardais que vivem em Araraquara. Eu sabia de pombos e outros pássaros, mas passarinho mesmo, eram os pardais. Quando falam em árvore, eu também ligo imediatamente com os abundantes Oitis da terra natal. Mesmo anos depois, dos 10 aos 15 anos, algumas coisas me marcaram ao ponto de me influenciarem para sempre, como os livros do Julio Verne e os contos do Edgar Allan Poe. Eles criaram um novo padrão de comparação na minha cabeça, onde tudo que veio depois é posto na balança junto com esses primeiros.
Esse ciclo se repete vez por outra, novos padrões são adicionados (Umberto Eco, o cinema do Stanley Kubrick e o som do Led Zeppelin são exemplos mais recentes), e a vida vai crescendo.
Mas me sinto um pouco incomodado por perceber que o período mais importante da minha vida, a "programação", o que mais formou o meu jeito de ver o mundo, também é o que eu menos me lembro. Gostaria de saber o que estou perdendo.

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