31 julho 2004

Epítetos

Temos mais nomes do que imaginamos. Para a justiça, por exemplo, eu sou brasileiro, solteiro, estudante, residente à cidade de São Paulo. Para o IBGE, sou branco, 22 anos, estudante do ensino superior, desempregado. Para o mercado, sou homem, 18-25 anos, classe AB. Para a maioria dos meus amigos, sou o David. Isso sem contar quando sou "aquele cara ali, de camiseta laranja" ou "o irmão da Mariana". Tem ainda o menininho do farol que quer vender chiclete pro “tio”, o desconhecido da farmácia que te chama de “amigo”, ou aquele bem comum nas mesas de bar, o “campeão”. A gente se adapta mais ou menos como o cachorro que se perde e muda de dono e, já que não sabe se apresentar formalmente, passa de Átila a Rufus sem problema nenhum.
Do melhor amigo ao cliente ou ao mendigo da rua, todos nos dão novos nomes e até novas personalidades. Dois depoimentos sobre uma mesma pessoa podem pintá-la como a Dorothy ou a Bruxa Má do Oeste. Em cada cabeça, uma identidade nova. Mas quem somos então? Um cara sincero e bom amigo como o Joãozinho pensa; engraçado, mas um pouco irritante como acha a Gertrudes; um moleque barulhento e mau pagador como afirma o síndico do prédio? Não dá pra sermos a soma de todas essas imagens, já que isso nos transformaria em monstros paradoxais, fieis traidores, adultos infantis... Sermos a intersecção dessas imagens também não resolve, afinal, isso deixaria de lado aqueles detalhes importantes que só aparecem de vez em quando na nossa personalidade. Talvez a pergunta que importa seja quem você gostaria de ser? Ou como você gostaria de ser lembrado?
Dando uma olhada em uns obituários em um jornal (aliás, quem só tem o jornal pra se guiar acha que só morrem judeus no Brasil, de tantos obituários dedicados a eles), me ocorreu: E se você morresse agora, quem você seria? O que apareceria no seu obituário? Marido e pai dedicado, uma pessoa suuuuuuuper fofa!, descobridor da penicilina, pão-duro desgraçado? Ia junto uma cruzinha? Estrela de Davi? Pretzel? (!?) A logomarca da sua empresa? Vá se preparando, junto com o testamento deixe um recado com as instruções em algum lugar visível, pra uma eventualidade. Aproveite e escolha um epíteto, pra facilitar. José, o contristado. Carlos, o calvo. Ou o meu favorito: Pepino, o breve.
Escolha quem você quer ser, mas faça jus ao seu bom gosto. Afinal, com qual memória você se importa mais? A impressa na lápide ou a impressa na alma - mesmo que seja a sua?

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