01 julho 2005

The horror, the horror!

Algum lugar no Vietnã, no auge da guerra: Uma criança olha, chorosa, homens cavando a sepultura de seu pai. Ela segura um retrato dele, menos de 30 anos, magro e forte. Sujeitos, também magros, mas nada fortes, enterram lentamente a pá no chão arenoso, enfileirando mais uma cova entre as dúzias improvisadas ali. É um trabalho difícil, consome horas de esforço que poderiam estar sendo gastas na reconstrução e manutenção das casas e da lavoura.
Corta para o caixão, improvisado, de madeira recém-serrada, ao lado de um feixe de incenso queimando. A mãe do falecido, debruçada sobre a tampa, chora vigorosamente. A criança se aproxima, com o retrato ainda nas mãos, e chora também.
Mais um corte, o caixão está sendo baixado. A mãe, inconformada, se abaixa e tenta pular na cova, gritando pelo filho perdido. Dois homens a puxam de volta, consolando o inconsolável. São cenas longas e tristes, 3, 4 minutos terríveis.
Corta para um enorme jardim, verde, com um lindo lago sombreado pelas árvores. No terço esquerdo do quadro, um homem de uns 60 anos, óculos de aro grosso e terno risca de giz é identificado como General Westmoreland, um dos principais líderes dos EUA na guerra.
Visivelmente desconfortável, o Gen declara pausadamente, escolhendo as palavras:

The Oriental doesn't put the same high price on life as does the Westerner.
Life is cheap in the Orient.
Sim, é exatamente o que você leu. Ele disse: "Os orientais não valorizam tanto a vida como os ocidentais. A vida é barata no oriente". Entre outras coisas que eu não me lembro palavra por palavra.
Seu nome é emblemático. Não quer dizer nada literalmente, mas Westmoreland lembra algo como "terra mais ao ocidente", "das terras mais ao ocidente" ou quem sabe "mais terra para o ocidente".
Em outra cena, um militar tem uma conversa com um grupo de crianças de 7 ou 8 anos numa escola americana. Elas faziam as perguntas. Uma delas quis saber como era o Vietnã. Ele respondeu "Se não fosse pelas pessoas, seria um país bonito. Eles são um povo atrasado e não civilizado." Em outra cena, um líder vietnamita diz "Nós temos 5 mil anos de história. Nos defendemos durante séculos da China. Durante décadas da França, e nos defendemos agora dos Americanos."
Isso faz parte do documentário Hearts and Minds, rodado no calor da hora no vietnã e nos EUA, um filme panfletário, feito com o propósito bem claro de mostrar os horrores da guerra aos americanos. É praticamente o pai do Michael Moore.
Também como Michael Moore, Peter Davis manipula o filme do começo ao fim. A sequência descrita no começo é só um exemplo. Também comete o erro de ouvir só um lado da história (apesar de ser o lado mais fraco), o que enfraquece a idéia de documentário. Mas, diferente de seu sucessor, Davis aparentemente não põe palavras na boca de ninguém e nem supõe teorias conspiratórias assim ou assado. Ele constrói sua mensagem com imagens e depoimentos como um escritor faz com palavras. Sua retórica, entretanto, parece muito mais honesta do que a do gorducho de Michigan, além de ser mais contundente. Afinal, ninguém passa incólume ao ver a menina queimada de napalm correndo pela estrada. Como disse um dos veteranos mutilados e arrependidos sobre os EUA, naquela guerra "nós não estávamos do lado errado. Nós éramos o lado errado".

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