Schumacher era o nome, mas podiam chamar-se Santos, Almeida ou até Silva. Aliás, ela era Silva, por parte de mãe, para ser específico, portanto um nome suprimido no casamento. Restou-lhe Magalhães, que não a deixava descontente de forma alguma, principalmente depois que, vinte anos antes, aprendera que havia um estreito com seu nome. Imeginem só, ter seu nome num estreito! Naquela época ocorreu-lhe como seria interessante se ela se casasse com alguém de nome Gibraltar, o que, todos sabemos, não aconteceu. Um nome ainda mais incomum estaria a sua espera no altar.
Por incrível que pareça, o que o nome tinha de incomum, seu portador tinha de comum. Viviam como o mais normal dos casais. Ele trabalhava num banco e gostava de futebol. Ela vendia cosméticos e gostava de... cosméticos. Mas não em excesso.
Se algum deles tivesse curiosidade suficiente, descobriria que o absolutamente mediano Sr. Schumacher (tão mediano que preferia ser chamado de Jorge mesmo) descendia, na verdade, do extraordinário Piotr Rabinovich Svidrigáliov, um dos maiores oradores do judaísmo da época do tzar Alexandre II. Um homem tão extraordinário que, após conseguir a confiança da comunidade judaica (ao ponto de ser designado Rabino de toda São Petesburgo) e o respeito e apreço da própria corte católica ortodoxa do tzar, se aproveitou de uma brecha burocrática e embolsou, sob a proteção de seus amigos da corte, dinheiro suficiente para sustentar gerações. Infelizmente sua fortuna não durou muito, já que o tzar fora assassinado e seus amigos da corte estavam ocupados com assuntos mais importantes do que garantir proteção a um Rabino mulherengo. Sim, ele também era mulherengo. Aliás, esta peculiaridade foi o que desencadeou seu exílio voluntário na Prússia. Sua esposa desaprovava firmemente seus maus hábitos, principalmente se eles deixassem de ser acompanhados pelo bom hábito de dar presentes caros para se redimir. Por conta disso, ela o rejeitou e destruiu sua reputação na sinagoga com artimanhas que passaram pelo óbvio boca-a-boca feminino até a histórica interrupção da leitura pública da Torá por um panelaço que o assombrou por décadas.
Pobre (pobre não é o termo correto, seu colchão nunca se esvaziara completamente) e literalmente sem amigos, partiu para a Prússia, onde começou sua nova vida como humilde sapateiro (daí sua nova alcunha, Shumacher). Adquiriu alguma reputação na sinagoga local devido a sua incrível capacidade discursiva, mas nunca revelou sua verdadeira história. Ainda assim foi "empurrado" por seus novos amigos, tão impressionados com sua eloqüência e carisma, ao posto de líder local. Mais uma vez, por culpa agora de rixas com o imperador prussiano por causa de desvio de impostos, abandonou sua nova esposa e fugiu para o lugar mais distante que já tinha ouvido falar, outra cidade com nome de santo, São Sebastião do Rio de Janeiro, Brasil.
Aqui, este extraordinário homem se rendeu aos encantos da terra fértil, da comida boa e da filha de escravos mais bonita que já teve notícia. Esqueceu da Rússia, esqueceu da Prússia, esqueceu até de sua eloqüência e passou a deixar-se levar pela vida mansa do país tropical. Só não se esqueceu que a melhor forma de se levar essa vida mansa era mamar nas tetas do governo. Foi um dos melhores funcionários do Banco do Brasil por mais algumas décadas. Seu filho seguiu seus últimos passos, exceto pela falta do adjetivo "melhores". Seu neto, Jorge, do avô só tem o (falso) nome e a profissão.
E ela ainda se pega sonhando em ser a sra. Magalhães Gibraltar.
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