27 junho 2004

Assino Embaixo (ou se inveja matasse...)

Isso não vai virar rotina, prometo, mas quando reli esse texto enterrado no meu porta arquivos não pude deixar de publicá-lo. Enquanto lia, só consegui pensar uma coisa: COMO EU QUERIA TER ESCRITO ISSO!!

Console-se com o seguinte pensamento: se não tivesse reprimido nenhum impulso e feito tudo que deu vontade de fazer, na hora em que deu vontade, você hoje estaria preso, ou gravemente desfigurado. Civilização é autocontrole. Só chegamos vivos a este ponto porque resistimos à tentação de dizer aquela verdade, enterrar o nariz entre aqueles seios fazendo "ióim, ióim", jogar tudo no 17 ou sair dançando com o PM. Todo homem (mulher, menos) é a soma, não das suas decisões, mas das suas hesitações, ou do que, pensando melhor, decidiu não fazer. Nunca lamente o caminho não tomado, ele provavelmente levaria à ruína - ou à fortuna, mas ela não lhe faria bem.

Quanta gente você não teve vontade de esgoelar, e no fim apenas sorriu e limpou sua lapela? Quanto jornal você não teve vontade de amarrotar e jogar no lixo, desejando que em vez do jornal fosse o articulista, mas se conteve, e passou, educadamente, à página seguinte? Fez bem. Ignore o aviso de que a repressão de impulsos leva a manchas na pele, cavernas no fígado e sono agitado do qual você acorda soqueando o travesseiro. Acredite, pensar melhor é muito mais saudável. Uma retrospectiva de tudo que você imaginou fazer e não fez o convenceria disto: foi ou não foi mais prudente abandonar aquele plano de dinamitar o Ministério da Fazenda e, em vez disso, mandar uma carta com ironias pesadas sobre o modelo econômico aos jornais? A orelha dela estava ali, a poucos palmos da sua boca, por que não dar uma mordidinha, só porque vocês estavam numa roda com outros, inclusive o marido dela, seu patrão, e ninguém entenderia quando você explicasse que confundira a orelha com um canapé? Mas você recuou, civilizadamente. Fez bem. Eu, por exemplo, resisti ao impulso de fugir de casa para ser aviador. Poupei-me da frustração de descobrir que eles não aceitavam pilotos de caça com menos de seis anos de idade. Fiz bem. Corri atrás de uma menina para dizer que a amava, pensei melhor e apenas esbarrei nela, esperando que ela interpretasse a colisão como uma declaração. Deixei-a sentada no chão, chorando, mas escapei do ridículo, pois eu nem sabia seu nome. Pensei vagamente em estudar arquitetura, como todo mundo. Acabaria como todos que eu conheço que estudaram arquitetura, fazendo outra coisa. Poupei-me daquela outra coisa, mesmo que não tenha me formado em nada e acabado fazendo esta outra coisa.

É verdade que às vezes me pergunto como teria sido se eu não tivesse reprimido o impulso de ir estudar cinema em Londres. Eu hoje poderia ser, sei lá, um dos melhores lavadores de prato do Soho. Mas agora é tarde.

LUIS FERNANDO VERISSIMO
O Estado de São Paulo
31/7/01

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi

Gostaria de saber o título do texto. Pretendo usá-lo em um trabalho e, com certeza, mencionarei o seu blog nas referências bibliográficas.