Chovia e eu não acreditava em guarda-chuvas. Continuo não acreditando, mas eu tinha que concordar com o tempo verbal. Me recuso a usar um objeto tão nefasto, incômodo e inútil, que carrega a mentira no seu próprio nome. Duvido que alguém tenha saido ileso com um deles depois de cem metros em chuva moderada. Nada de capas de chuva, nada de chapéus esdrúxulos. Até hoje, a única invenção humana que permite andar na chuva sem se molhar é o automóvel. Mas isso não tem nada a ver com o que eu queria dizer.
Pois bem, chovia e eu me molhava no ponto de ônibus. Eu ouvia música no walkman e me preocupava com a integridade física do Saramago dentro da minha mochila, uma vez que, como já se sabe, chovia. Quando meus sapatos já estavam uns três tons mais escuros e minha camiseta já assimilava as gotas salpicadas, a chuva parou, mas só na metade esquerda do meu corpo. "Vai uma ajuda aí?" falou um homem mais ou menos da minha idade com um guarda-chuva. Eu disse um "opa, obrigado!" e tirei o fone esquerdo do ouvido, me preparando pra conversa.
Dez segundos, eu não disse nada. Nem ele. Vinte segundos, nada. Buscava assunto na memória, pensei em arriscar até um "e essa chuva, hein?", mas desisti. O guarda-chuva pingava no meu braço direito tudo o que não caía no esquerdo. Chegamos em 40 segundos de silêncio desconfortável. O ônibus chegou, ele subiu, eu fiquei. Me molhando.
Se eu fosse menos paulista... Se a necessidade de falar com o rapaz que foi educado com o guarda-chuva me incomodasse mais, se a curiosidade de falar com aquela bela estranha do ônibus me incomodasse mais do que o medo de incomodar ou de parecer bobo e a preguiça de tirar a bunda do banco encardido do coletivo, quem sabe o quanto eu não teria crescido. Quantas idéias eu perdi, quantos amigos eu perdi, por medo de perder o maldito Status Quo. Se eu fosse menos paulista...
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