14 fevereiro 2005

Perdido

Fomos a um supermercado em Ubatuba, enquanto a mulherada passeava pela inevitável feirinha, procurar coisas pro churrasco que se seguiria. Corríamos, pois já estava anoitecendo. O tempo é preciosíssimo nesses feriados perfeitos e nada é melhor que desperdiçá-lo deliciosamente deitado numa rede batendo papo. Na porta do supermercado, junto dos carrinhos, tinha um cartaz impresso em letras grandes por uma família preocupada, com criança doente e um pouco de dinheiro, já que ofereceu até recompensa pelo cachorro desaparecido. Labrador, de alguma cor que teimou em desaparecer da minha memória, devia ser um cachorro maravilhoso. Menos por um detalhe. Culpa dos cachorros, que ao longo dos séculos convivendo com os humanos, aprenderam a associar alguns sons específicos a si próprios. Se você treinar um cachorrinho a vida inteira chamando ele de Analgésico, ou de Caps Lock, ele vai atender. Só não podemos subestimá-los. Essa família desrespeitou deliberadamente o bom senso do cachorrinho quando ele passou a fazer parte do círculo familiar. Provavelmente foi o filho mais velho, o de 11 anos que veio com a idéia: "Ele vai chamar Lost!" Lóstchi, abrasileirando. Ninguém perguntou o porquê. Era bonitinho. Ah, se eles soubessem... Se eles soubessem que o cachorrinho crescia com um nome como uma maldição. Fadado a um destino terrível, o pequeno animal se assustava só de chegar perto do portão da casa, temendo que sua hora tivesse chegado. Era ver a coleira de passeio, ele corria pra dentro da casinha. Mas o inevitável aconteceu. Bastou um passeio, e lá se foi Lost cumprir sua sina. Deixou a criança doente. Aceitou seu destino. Hoje, não quer ser encontrado. Vive na praia, brincando de pular ondas e correr atrás de uma maria-farinha que aparece de vez em quando. Ainda atende pelo nome de Lost, se alguém adivinhar.

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