Já que os dias andam curtos, vai uma crítica velha de um filme que não envelhece, da época que eu tentava emprego no Omelete.
Francis Ford Coppola devia estar bem acostumado a adjetivos como “megalomaníaco” durante as 370 horas de filmagens nas Filipinas de sua obra Apocalypse Now. Meses de esforço, rios de dinheiro e muita teimosia foram necessários para finalizar o filme a tempo do festival de Cannes de 1979. Mesmo com a Palma de Ouro nas mãos, o diretor e produtor considerou o filme “a work in progress”, devido à pressa na montagem da obra.
Vinte e dois anos depois somos agraciados com bem mais do que um novo “director’s cut” caça-níqueis de um sucesso de Hollywood, como exorcistas e ETs afins. Redux, em latim, significa algo que foi trazido de volta, resgatado. Assim está Apocalypse Now Redux: reeditado, remixado, restaurado, talvez o melhor termo seja repensado. Agora podemos ver 53 minutos que escaparam à primeira versão, espalhados em muitas cenas que acrescentam muito à densidade do filme.
Densidade, aliás, é o que não falta à obra. Vários filmes poderiam ser tirados de Apocalyspe. A grande estetização da guerra das cenas como a do ataque dos helicópteros a uma vila vietnamita ao som de Wagner e a da batalha num posto avançado, com direito a trincheiras e pedido de ajuda pelo rádio já renderiam boa bilheteria por si sós (alguém se lembra de Falcão Negro em Perigo?). A discussão sobre a necessidade do conflito armado e o envolvimento forçado dos soldados com uma guerra que não lhes pertence (linha mestra do outro clássico do Vietnã, Nascido Para Matar) e que pode ser visto em personagens como Chef, o hippie de New Orleans que só queria aprender a cozinhar, ou em cenas como o encontro com a orgulhosa família de colonizadores franceses, onde o lado mais politizado do filme transparece, também fariam outro (bom) filme inteiro.
Mas o créme de la créme do filme é mesmo a adaptação (bastante fiel, vejam só) da pequena obra-prima de Joseph Conrad, Coração das Trevas. O Marlow do Império Britânico deu lugar ao Willard do exercito americano. Ambos foram imbuídos da difícil tarefa de subir o rio em direção ao inferno, encontrar e destituir o tirano, mas ainda assim genial e intrigante capitão Kurtz de seu pequeno império no coração das trevas. Quanto mais Marlow/Willard se embrenha na escuridão da não-civilização, quanto mais medo e destruição se passam ao seu redor, mais fascinado por Kurtz ele fica, mais ele compreende seus métodos, mais ele se transforma, de certa forma, em seu algoz. A estranha fortaleza de Kurtz e sua pequena legião de súditos que parecem estar em transe preparam os nervos até que o encontro com Kurtz finalmente acontece, e toda a genialidade de Vittorio Storato, o diretor de fotografia, aparece: Curiosos, ouvimos a voz assustadora de Marlon Brando, fraca, modulada, filosofando e questionando Willard e esperamos a câmera enquadrá-lo. Ele está deitado, e ainda não se vê seu rosto. Finalmente, ele se levanta. Dá para ver sua cabeça raspada, mas seu rosto está imerso numa sombra angustiante. Ainda por algum tempo a sombra permanece, até a primeira frase mais ameaçadora ser pronunciada e seus terríveis olhos azuis finalmente aparecerem. É de gelar a espinha...
Isso tudo sem falar no Robert Duvall bombardeando uma aldeia para ter onde surfar, no Dennis Hopper tentando provar a grandiosidade do capitão Kurtz, nas coelhinhas da Playboy e na maravilhosa The End, da banda The Doors na abertura do filme.
Toda essa multiplicidade de temas e riqueza de detalhes, porém, acaba por se tornar talvez seu maior defeito. Uma obra tão complexa precisa estar muito bem amarrada para conduzir o espectador por mais de três horas. Quando se está na fortaleza de Kurtz, à luz oblíqua, é difícil lembrar do “Cheiro de Napalm pela manhã” do início do filme. Apocalypse Now Redux é mais denso que o próprio livro que o inspirou. Pode ser necessário parar e respirar fundo antes de continuar para, sem sobrecarregar a mente, se absorver todo o conteúdo. Só não dá pra ficar sem ver.
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